Ser feliz
Há muita gente que pensa que ser feliz é uma tarefa árdua e até
impossível de concretizar, contudo, no meio de uma tempestade existe sempre uma
luz, que por muito ténue que seja, brilha sempre e ilumina nos momentos em que
é necessária.
Nunca esperei
facilidades da vida, e talvez por isso é que ela não mas deu:nunca completei o
curso que desejava, nunca arranjei o companheiro que queria, da mesma forma que
nunca consegui ter a vida com que sonhava.
Hoje, sei que nada
foi em vão, e que aprendi muito mais do que se tivesse concretizado todos os
meus sonhos e atingido todas as minhas metas.
A única relação que
tive que me satisfazia, ia tendo um ponto final porque nenhum de nós aguentava
o terrível facto de eu não conseguir ter filhos. Várias vezes me culpei,
chorei, culpei Deus, depois a Medicina, depois a mim mesma, e no fim, até
deixei de atribuir culpas… Não valia de nada!
O certo é que por
mais tratamentos que fizéssemos, por mais dinheiro que gastássemos, nada
parecia concretizar o nosso sonho.
Um dia, vi uma
daquelas campanhas de solidariedade para se apoiar instituições com crianças
com deficiência.
O meu companheiro não
tolerava a ideia de adotar, muito menos uma criança com necessidades especiais,
mas nada me demoveu.
Quando cheguei à
instituição conheci uma criança lindíssima com pouco mais de um ano de idade:
nascera com lesões graves no cérebro e fora deixada à porta da instituição, por
uma qualquer mãe revoltada, que nunca mais voltará a dar notícias.
Como será possível
que uma criatura abandone alguém tão bondoso, tão frágil… Quando falei com uma
das assistentes que passava muitas horas com aquelas crianças, percebi nos
olhos dela uma determinada admiração quando lhe falei no interesse em adotar
aquela menina: “Chama-se Lara nasceu com um grande atraso cognitivo e profundas
lesões no cérebro”- avisou-me desde logo a assistente.
É óbvio que quando
contei a minha decisão ao meu companheiro ele saiu de casa- naquela altura
queria odiá-lo, mas hoje não o condeno, fez a escolha dele, e eu fiz a minha.
Trouxe a Lara para
casa e não posso mentir: foi muito difícil!
Tive que mudar de
emprego de forma a poder dedicar-me mais à Lara - ela necessitava de ajuda nas
mais diversas tarefas, desde tratar da sua higiene, até comer e movimentar-se. Cheguei
na altura a pedir dinheiro emprestado, a fazer obras em minha casa para
facilitar a deslocação da minha menina, e até por breves meses contratei uma
empregada. Fiz tudo e de tudo, coloquei a minha energia toda ali, fiz o que
nunca pensei conseguir, fui buscar forças onde não sabia que elas existiam.
Os olhares na rua
eram pesados, e os que me conheciam há bastante tempo chegaram até a
perguntar-me:
“Onde estavas com a
cabeça?”
Olhavam para a Lara
como uma aberração, um peso morto, uma inútil; mas para mim ela era a minha
princesinha, o meu mundo, a minha alegria, era tudo para mim.
Eu aguentei tudo
sempre de sorriso na cara, só pensando no bem-estar daquela que era agora, a
razão da minha vida.
Assim aprendi que ser
feliz é olhar para trás e saber que fiz a coisa certa, saber que por muitas
rasteiras que a vida me tente pregar eu e a Lara estaremos sempre e para sempre
unidas.
A Lara, supostamente,
nunca iria alcançar a capacidade de articular palavras, mas houve um dia em que
ao acordar de amanhã olhei para o meu lado e lá estava ela a olhar para mim,
com aqueles olhinhos pequenos, cor de amêndoa, e eu perguntei-lhe com um
sorriso:
- Que foi minha
princesinha?
Ela com muita
dificuldade e a gaguejar disse-me:
-Mamã.
Os meus olhos encheram-se
de lágrimas e senti-me a mulher mais feliz do mundo; abracei-a tanto tanto e
acariciei-lhe o cabelo até ela adormecer novamente.
Toda a minha
esperança, toda a minha felicidade estava ali entre os meus braços, e hoje até
fico feliz por o destino ter colocado a Lara na minha vida.
Porque sempre que se
fecha uma porta, abre-se sempre uma janela.
(Texto escrito por Daniela Leal para a Fábrica de Histórias)
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4 comentários
De Van Costt a 09.01.2012 às 17:29
Van Costt.
De CoisasDeTudo a 10.01.2012 às 17:46
Um bom dia.
Daniela Leal
De Natacha a 10.01.2012 às 23:45
Passo por aqui vinda da Fábrica de Histórias onde sou operária, tal como tu :) Desculpa o tratamento por tu que retirarei se assim entenderes, mas apetece-me tratar-te por tu e com todo o respeito ;)
Gostei muito desta tua visão completamente altruísta. Convivo de perto (relativamente) com deficiências, mais ou menos profundas e sei o quão avassalador e paradoxalmente compensador pode ser esta convivência.
Gostava de ter a Esperança de que a natureza providenciasse para que as crianças nunca tivessem de nascer para não viver.
Um beijinho
De CoisasDeTudo a 11.01.2012 às 17:28
Obviamente que me podes tratar por tu, aliás vou fazê-lo também, penso não haver nenhum inconveniente em tal. :)
Quanto a ter esperança, o melhor que se pode dizer, é que vale sempre a pena acreditar, porque as utopias de ontem são a realidade dos nossos dias.
Abraço,
Daniela Leal